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Hanseníase: Como as inovações tecnológicas transformaram a realidade de pessoas?

Tratada por séculos com preconceito e exclusão, a hanseníase ainda é uma doença negligenciada que atinge milhões de pessoas no mundo. Mas se antes a reclusão compulsória era vista como única alternativa, hoje o cenário mudou graças aos avanços científicos e tecnológicos que permitem o diagnóstico precoce, o tratamento eficaz e a reabilitação dos pacientes — com dignidade e qualidade de vida.

A hanseníase ao longo da história

A hanseníase circula ao nosso redor há muito mais tempo do que a maioria imagina. Papiros datados de 4 mil anos atrás já registravam casos da doença durante o reinado de Ramsés II, faraó que governou o Egito entre 1279 e 1213 a.C.

Acredita-se que a doença nasceu no Oriente, e acabou se espalhando pelo mundo por meio das tribos nômades e das navegações.

Devido à falta de informação sobre a doença, por séculos ela foi associada à “impureza”, à hereditariedade e, até mesmo, a uma espécie de maldição por muitas culturas.

Além disso, diversas literaturas de narrativas religiosas apontam que ela era associada ao pecado, sendo que, em muitos casos, o diagnóstico era feito por sacerdotes, e não por médicos.

O estigma em torno da condição era grande a ponto de doentes serem excluídos completamente da sociedade. Eram proibidos até mesmo de entrar em igrejas, sendo isolados em leprosários ou até mesmo passando a viver nas ruas.

O avanço da hanseníase no Brasil

No Brasil, os primeiros registros da hanseníase surgiram no século XVII, no Rio de Janeiro, logo após a chegada dos colonizadores portugueses. Já em 1696, o então governador Artur de Sá e Menezes reconheceu a gravidade da situação e mencionou a necessidade de oferecer assistência aos doentes, tamanha era a preocupação da sociedade com o contágio.

Outros focos da doença surgiram rapidamente em estados como Bahia e Pará. Mas, sem conhecimento científico, a única resposta encontrada foi o isolamento. A hanseníase passou a ser vista como uma ameaça que precisava ser contida a qualquer custo.

Apesar do número crescente da doença, como ainda não havia muita informação sobre ela, apenas dois séculos depois que o governo passou a tomar as primeiras atitudes em relação a ela.

A doença que separou famílias

A hanseníase, por muito tempo, foi encarada como uma doença sem tratamento. Para quem era acometido pela condição, a exclusão era praticamente certa.

Isso porque até então não havia conhecimento sobre mecanismos de controle ou tratamento. Logo, o primeiro ato foi separar pacientes e não pacientes.

Em 1714 foi inaugurado o primeiro “asilo para leprosos” no Brasil. O país chegou a ter 40 locais do gênero espalhados pelo seu território, que possuíam estrutura com escola, mercado, igreja, e em alguns casos até cinemas e campos de futebol, de modo a manter o isolamento total dos moradores.

Pavilhão das mulheres na Colônia Santa Izabel.. Foto: Arquivo Morhan/Divulgação
Pavilhão das mulheres na Colônia Santa Izabel.. Foto: Arquivo Morhan/Divulgação

Em 1741, foi criado o Hospital dos Lázaros do Rio de Janeiro. O local foi um dos principais do gênero, e abrigou mais de 2.000 doentes até 1897.

Em 1923, entrou em vigor o decreto que permitiu, de forma legal, o isolamento compulsório em todo o país.  Em 1949 a medida virou lei federal, o que permitia que até mesmo famílias fossem separadas.

Todas essas ações, principalmente após o aval legal, acabaram por criar um cenário de total exclusão. A legislação permitia até que até mesmo filhos fossem separados dos pais.

Mais de 20 mil filhos separados pela hanseníase

De acordo com estimativas do Movimento de Reintegração dos Atingidos pela Hanseníase (Morhan), a soma de filhos separados de seus pais durante esse período passa de 20 mil.

Foi apenas em 1980 que a internação compulsória caiu, uma vez que a poliquimioterapia – tratamento que é utilizado até os dias de hoje – passou a ser empregada para tratar os pacientes.

A doença foi tema da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, o que promoveu um movimento de transformação dos antigos leprosários em hospitais gerais ou dermatológicos.

O governo criou, em 2007, uma lei federal que garante uma pensão especial aos brasileiros com hanseníase que foram submetidos à internação compulsória até 31 de dezembro de 1986.

Apesar da mudança de cenário, a hanseníase continua sendo um desafio no Brasil. Entre os anos de 2014 e 2023, foram notificados 309.091 casos de hanseníase no Brasil, sendo 80% de casos novos.

A jornada do diagnóstico: Da descoberta do causador, até o diagnóstico

A descoberta da hanseníase em si ocorrer apenas em 1873, por Gerhard Henrick Armauer Hansen, médico e bacteriologista norueguês. Mas para chegar na maneira que o diagnóstico é feito nos dias de hoje, houve uma longa jornada a ser percorrida.

Registros do autor Opromolla apontam métodos inapropriados de diagnóstico contribuíram para criar confusões em relação a doença. Tanto que por anos qualquer tipo de patologia cutânea era denominada como hanseníase.

No final do século XV, por exemplo, a Lei de Strasbourg determinava que um médico, um cirurgião e dois barbeiros deveriam examinar o paciente. Entre os testes aplicados, havia práticas bastante rudimentares para os padrões atuais — como a coleta de sangue e, em seguida, a observação empírica de sua reação ao contato com substâncias como sal ou vinagre.

Médicos frequentemente classificavam distúrbios como líquen, psoríase, escabiose e impetigo como hanseníase.

Foi apenas em 1919 que o primeiro exame cutâneo foi desenvolvido pelo então médico japonês Kensuke Mitsuda. Ele consiste na aplicação intradérmica de uma suspensão de bacilos mortos do M. leprae (lepromina) na face anterior do braço e observa-se a reação no local após 28 dias.

O futuro da detecção precoce já chegou

Por anos o diagnóstico de hanseníase foi encarado como desafiador por muitos profissionais. Muito disso carregado pelo estigma que a doença ainda traz.

Milhares de brasileiros ainda evitam exames e consultas especializadas por medo da condição. Mesmo ela já tendo uma cura.

Isso acaba desencadeando agravamento de sequelas, muitas das quais acabam se tornando irreversíveis mesmo com o tratamento adequado. Nesse sentido, a detectação precoce se torna ainda mais fundamental.

Atualmente o diagnóstico molecular tem sido a grande virada de chave para garantir maiores chances de preservação da qualidade de vida do paciente, bem como fechamento ágil do diagnóstico médico.

Hoje, exames baseados em técnicas de PCR (reação em cadeia da polimerase) já conseguem detectar o M. leprae em amostras de pele ou mucosa com alta precisão, mesmo em fases iniciais da infecção.

Isso era algo praticamente impossível há algumas décadas.

Kit Xgen Master Leprae

Na Mobius, o Kit Xgen Master Leprae traz uma nova era para a identificação dessa condição. O método permite o diagnóstico rápido, e por meio da identificação da Mycobacterium leprae com grande sensibilidade e acurácia.

Ele permite a análise em amostras de biópsias e raspados intradérmicos com precisão, além de oferecer fácil interpretação. Por meio dessa solução é possível analisar até 47 pacientes por placa, o que traz ainda mais agilidade e precisão para os laboratórios.

Além disso, permite a identificação dos alvos RLEP, 16S e 18S. Resultados que antes levavam semanas para serem obtidos, com esse método são obtidos em horas.

Alternativas como essa de diagnóstico precoce, o tratamento eficaz e as campanhas de conscientização têm permitido que milhares de pessoas sejam curadas sem sequelas.

Mas ainda há uma longa jornada a ser trilhada para garantir que a hanseníase possa ser encarada sem o estigma que ainda carrega, por conta de toda sua história.

Mais do que nunca, informação de qualidade, empatia e políticas públicas são essenciais para garantir que a história de dor e exclusão fique no passado.

A luta agora é para que, junto com a eliminação da doença, eliminemos também o preconceito.


Referências

Os brasileiros que foram separados à força de pais com lepra e lutam por reparação – BBC News Brasil

‘Leprosários’: Onde pacientes com hanseníase passavam a vida toda internados

 SciELO Brasil – Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil e o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil e o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira

Hanseníase na história – Invivo